A RELIGIOSIDADE QUE ADOECE E A FÉ QUE RESTAURA, por Isabelle Ludovico
Em palestra recente, Karl Kepler, presidente do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos, tratou deste tema, apontando a vida “pasteurizada” de muitos crentes que censuram certos comportamentos como dançar, beber..., mas camuflam os labirintos escuros do seu coração. Eles acabam se tornando legalistas e hipócritas, como os fariseus que Jesus desmascarou. Assim, a imagem do cristão é muitas vezes de uma pessoa artificial, falsa, reprimida, passiva e alienada de sua realidade social. Músicos profissionais comentaram que a música evangélica é “certinha, mas sem alma”.
As igrejas constroem verdadeiros guetos separando “nós”: os salvos, e “eles”: o mundo. O modelo hierárquico é um resquício do judaísmo e mantém as pessoas na infantilidade, dependendo de um pastor que lhes diga o que fazer. As pregações se concentram em comportamentos que elas precisam melhorar ou combater. Mensagens evangelísticas enfatizam: “Venha como é”, mas a tônica dos sermões é: “Deus quer algo mais de você”. As cobranças transmitem a imagem de um deus general e até as promessas são transformadas em obrigações. O Louvor não é uma declaração de amor a Deus, mas uma forma musical de transmitir uma mensagem aos ouvintes ou de lhes proporcionar uma catarse.
Assim, as pessoas tendem a ser movidas pelo medo e construir uma relação manipulativa com um deus-patrão, trocando uma vida comportada por benção e proteção. A aprovação divina é medida através de sinais e do sucesso material. A ênfase na censura alimenta o medo de errar que gera conformismo e omissão em vez de encorajar as pessoas a serem ousadas e promoverem os valores do Reino. Esta teologia produz uma “miopia espiritual”, parecida com a do irmão do filho pródigo. O cristão se compara com assassinos e não se percebe mais como pecador porque não fala palavrões, nem extravasa a sua ira. Ele se confunde com uma fachada cada vez mais distante da realidade do seu coração.
No entanto, ser cristão é conhecer a Verdade, que não é um dogma, mas uma pessoa. É passar do domínio do medo para o Reino do Amor, da condição de escravo para a de filho. A certeza do amor incondicional de Deus nos motiva a ir em direção ao outro porque fomos amados e não para sermos amados. O processo de crescimento diz respeito a uma intimidade cada vez maior com Deus que nos leva a uma percepção progressiva da profundidade do Seu amor. Quanto mais eu me sinto amado, mais tenho coragem de reconhecer quem eu sou, meus erros e falhas, minha verdade. E quanto mais me sinto inadequado, mais percebo a imensidão do amor de Deus. Posso admitir minhas dúvidas sem perder a fé, permitir-me ser amada sem merecê-lo, olhar para minha sombra sem ignorar que tenho também um lado luminoso porque fui criada à Imagem de Deus.
Encarar a verdade sobre mim mesma me liberta da tentação de me enxergar maior ou menor do que sou. Este discernimento me liberta de culpas provenientes de expectativas distorcidas. Posso admitir os meus erros em vez de tentar me justificar, muitas vezes acusando outras pessoas. Percebo a importância de priorizar as transformações interiores que irão se manifestar numa vida coerente com a minha fé, em vez de manter uma dicotomia esquizofrênica. Sou chamada a equilibrar liberdade e santidade, pois cabe a mim perceber os meus limites e escolher o que me convém. Sou desafiada a ser sal no mundo em vez de me refugiar num gueto. O Espírito me leva a peneirar através da Palavra os valores transmitidos pela tradição. Minha percepção de Deus vai se ampliando e integrando aspectos novos, como o seu lado materno que me encoraja a me refugiar debaixo de suas asas.
Os pastores são vistos como irmãos na fé, mais experientes e maduros, que podem me edificar, mas também são passíveis de erros. O templo não é uma estrutura de pedras, mas o meu próprio coração onde sou convidada a adorar a Deus em espírito e em verdade. Dois ou três irmãos reunidos em nome do Pai já constituem uma igreja e o Reino de Deus é maior que a Igreja Evangélica. Ele está presente toda vez que Deus é reconhecido como rei e toda vez que o Amor triunfa.
Finalmente a vida cristã não é submeter-se a padrões legalistas, mas libertar-se deles para ser cada vez mais parecida com Cristo. Isto não me livra das limitações e ambigüidades da minha humanidade, nem do sofrimento inerente à condição humana. Porém, o sofrimento não me ameaça mais porque percebo a presença consoladora do Espírito e a possibilidade desta experiência não ser em vão na medida em que ela vai me tornando uma pessoa cada vez mais empática com o outro, mais generosa, mais sábia.
Fonte: Isabelle Ludovico da Silva, psicóloga com especialização
em Terapia Familiar Sistêmica. isabelle@ludovicosilva.com.br
http://www.cppc.org.br/ (Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos)
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